Amistoso de aniversário em 1967

Alexandre Giesbrecht
Jogos do São Paulo
6 min readJan 25, 2016

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Foto: Diário Popular
Foto: Diário Popular

Mesmo durante as décadas em que a data de fundação do São Paulo foi quase um assunto-tabu dentro do clube (saiba mais sobre isso lendo o texto do Michael Serra a respeito), 25 de janeiro sempre foi um dia especial, em que a diretoria marcava jogos importantes, como o primeiro jogo após a refundação (1936) e o amistoso de inauguração do Morumbi completo (1970).

Em 1967, foi comemorado o 37.º aniversário do clube — embora o Diário Popular tenha se confundido nas contas — , com uma grande festa no ainda inacabado Morumbi. Mais de 1,5 mil atletas dos esportes amadores, uniformizados, desfilaram diante de uma plateia de mais de 23 mil pessoas, numa “autêntica demonstração de pujança desportiva”, segundo texto do Diário Popular que tinha o curioso título “Morumbi engalanado no aniversário do São Paulo”. À frente do desfile, a banda da Força Pública do Estado de São Paulo (atual Polícia Militar), bandeiras do Brasil, do estado de São Paulo e do clube e, antes dos atletas, Frederico Menzen, então o sócio número 1 do São Paulo e segundo presidente após a refundação.

Ao fim da volta pela pista, os atletas perfilaram-se diante da atual arquibancada azul, que ainda não existia, como se vê na foto acima (note o Hospital Israelita Albert Einstein, no alto). Foi, então, respeitado, um minuto de silêncio, em homenagem aos são-paulinos que já haviam morrido, incluindo Cícero Pompeu de Toledo, idealizador e patrono do estádio, representado por sua viúva, Alba. No mesmo dia, os restos mortais de Cícero Pompeu de Toledo foram transferidos do Cemitério São Paulo para o Cemitério da Consolação, onde ficariam abrigados em um túmulo construído pelo clube. Essa cerimônia contou com a presença do governador Laudo Natel, presidente licenciado do São Paulo — presidido interinamente por Manoel Raymundo Paes de Almeida.

Laudo não esteve no Morumbi, porque, como governador do estado, foi a diversas inaugurações de obras que aproveitaram o aniversário de 413 anos da cidade: as pontes Cruzeiro do Sul e da Vila Guilherme, as avenidas Rubem Berta e Cruzeiro do Sul e um trecho de quinhentos metros da marginal esquerda do Rio Tietê, próximo à Ponte das Bandeiras. O presidente Castello Branco, o primeiro da ditadura militar, também esteve presente, durante uma visita de sete horas à cidade, em que pela primeira vez foi afrouxado o esquema de segurança da presidência.

Foto: Diário Popular
Foto: Diário Popular

O jogo de fundo no Morumbi foi contra o Cruzeiro, que um mês e meio antes tinha vencido o Santos, de maneira surpreendente, nas finais da Taça Brasil de 1966 (a competição que a CBF resolveu unificar com o “Campeonato Brasileiro”, em 2010). O time mineiro também fez parte da cerimônia, com Felício Brandi, presidente do grêmio das Alterosas, recebendo de Waldemar Mariz de Oliveira uma artística bandeja de prata, em nome do São Paulo Futebol Clube. O Cruzeiro retribuiu com uma corbelha de flores, dada por seu capitão, Wílson Piazza. “Grêmio das Alterosas” e “corbelha de flores” foram expressões usadas pelo Diário Popular no dia seguinte.

O amistoso marcou a estreia de Sylvio Pirillo como técnico do São Paulo, substituindo Aymoré Moreira, comandante durante o Paulistão de 1966, em que o Tricolor fizera excelente campanha no primeiro turno, mas depois despencou na segunda metade do campeonato e teve de se contentar com dividir a quarta colocação com o Comercial de Ribeirão Preto, nove pontos atrás do campeão Palmeiras. (Curiosamente, Aymoré assumiu a própria sep, que tinha vencido a taça com o técnico interino Mário Travaglini após a demissão de Fleitas Solich poucos dias antes da conquista.)

O estreante Lourival. Foto: Diário Popular
O estreante Lourival. Foto: Diário Popular

O Tricolor também promoveu as estreias do meia Lourival e dos atacantes Nelsinho e Almir. O time foi apático, defeito que já tinha surgido ao longo da campanha do Paulistão anterior. Nem os estreantes conseguiram mudar isso, e Lourival foi um bom exemplo, como retratou o Diário Popular:

O médio parecia que era o dono do time. Insistiu em caminhar demasiadamente com a bola e atirar de longa distância à meta, talvez obedecendo orientação do técnico. No entanto, é de se convir que um elemento que estreia deveria aparecer menos ao público, principalmente quando em jornada infeliz. Mas o que se viu foi exatamente o contrário, tendo Lourival insistido nesses erros, dando passes errados e ainda querendo bater todas as faltas, atraindo sobre si atenção da torcida, que afinal acabou tendo impressão pouco favorável do jogador, aliás, com inteira razão.

O jogo começou mais movimentado do que se esperava, devido às chuvas que tinham caído na cidade. A primeira grande chance foi perdida pelo São Paulo, em um lance bizarro: Paraná cruzou da esquerda, a bola passou pela boca do gol e encontrou Nelsinho, que escorregou e caiu, ficando com a bola presa em seu braço em cima da linha. Babá ainda chutou-a para dentro, mas o árbitro Romualdo Arppi Filho já tinha apitado a falta. “Azar de Nelsinho, que, se não tivesse caído, teria forçosamente feito o tento”, escreveu o Diário Popular.

O São Paulo dava espaços para o trio cruzeirense formado por Dirceu Lopes, Tostão e Piazza, e isso custou caro já aos dezesseis minutos, com Piazza lançando Evaldo na esquerda. Ele driblou Jurandir e cruzou fraco. O próprio Jurandir conseguiu recuperar-se na jogada e tirou a bola de qualquer jeito, mas ela acabou sobrando para Dirceu Lopes, que dominou na entrada da área de chutou forte. O goleiro Fábio foi atrapalhado pela multidão à sua frente, não só na hora de tentar defender — o que não conseguiu — , como também ao sofrer um pisão de um dos jogadores em seu dedo. Com suspeita de fratura, foi substituído por Gilberto.

Acordado pelo gol, o Tricolor voltou a pressionar e, numa tabela entre Nelsinho e Babá, parecia ter chegado ao empate aos trinta minutos, mas Romualdo anulou o tento, alegando que Babá só ganhara de Vavá na corrida por ter conduzido a bola com a mão. Tanto O Estado de S. Paulo como a Folha de S. Paulo consideraram correta a marcação do juiz; o Diário Popular não emitiu opinião. Quatro minutos depois, Babá tentou novamente, driblou Vavá e chutou cruzado, fora do alcance do goleiro Raul Plassman. Agora, sim: 1 a 1.

Babá empata o jogo. Foto: Diário Popular
Babá empata o jogo. Foto: Diário Popular

Mas o empate durou pouco, porque, num contra-ataque, Tostão seguiu com a bola do meio de campo até a entrada da área, sem Fefeu, Jurandir e Lourival conseguirem incomodá-lo. Ao entrar na área, chutou rasteiro, na saída de Gilberto, restabelecendo a vantagem cruzeirense. O São Paulo teve nova chance de empate quando Procópio cometeu pênalti em Nelsinho. Fefeu chutou fraco e Raul acertou o canto, encaixando a bola. O Diário Popular considerou que ele se mexeu antes da cobrança, o que não era permitido na época. O Estadão não mencionou essa questão, e o trecho da Folha que trata do lance não está legível.

O segundo tempo teve predomínio são-paulino, mas não foi tão movimentado quanto a primeira etapa. Enquanto o Cruzeiro teve apenas uma chance, com Tostão, o Tricolor desperdiçou oportunidades com Nelsinho, Babá, Prado e Almir (que entrara no lugar de Válter, mas estava claramente acima do peso), esbarrando na falta de pontaria e em Raul. No fim, o placar de 2 a 1 para os visitantes não deixou de ser justo, especialmente pelo que o Cruzeiro demonstrou no primeiro tempo.

Os mineiros ainda fariam mais dois amistosos como visitantes na região Sul, contra a Ferroviária de Araraquara (o estado de São Paulo fazia parte da região Sul nessa época) e contra o São Paulo de Londrina. Ambos terminariam empatados, respectivamente por 2 a 2 e 4 a 4. Dali a poucos dias, faria sua estreia na Libertadores, como único representante brasileiro — o Santos, vice-campeão da Taça Brasil, desistiu da competição, porque preferiu excursionar pelo Exterior, opção mais vantajosa financeiramente naquela época. Já o São Paulo seguiu se preparando para disputar o Robertão, torneio precursor do Campeonato Brasileiro, que seria organizado pela primeira vez naquela temporada.

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Autor de três livros sobre a história do São Paulo. Pai, filho, neto e bisneto de são-paulinos.