Raí comemora com a torcida seu quarto título paulista pelo São Paulo. Foto: Fábio M. Salles/Estadão.

São Paulo campeão paulista de 1998

Há 22 anos, também num Dia das Mães, o São Paulo derrotava o Corinthians e sagrava-se campeão estadual. Estas são algumas das histórias dessa conquista.

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Assim como hoje, em 1998 o Dia das Mães caiu em 10 de maio. São Paulo e Corinthians decidiriam o Campeonato Paulista naquela tarde, com vantagem para os alvinegros, que tinham vencido o jogo de ida por 2 a 1. Essa partida tinha sido disputada debaixo de chuva, que apertou especialmente no segundo tempo, e os três gols foram marcados de cabeça. “A marcação nos sufocou”, admitiu o lateral-esquerdo são-paulino Serginho. “O Corinthians jogou bem e soube aproveitar os nossos erros.”

O resultado quebrou a sequência são-paulina de dez vitórias (entre o Paulistão e a Copa do Brasil) e deu aos corintianos a vantagem de poder empatar a partida de volta — ao Tricolor, apenas a vitória interessava, por qualquer placar, devido à melhor campanha ao longo da competição. O Corinthians, por sua vez, buscava ser o primeiro campeão paulista invicto desde 1972, e o interesse no feito era tão grande, que sua diretoria decidiu dobrar o prêmio previsto para os jogadores.

O São Paulo, entretanto, tinha uma carta na manga para reverter o resultado: a chegada de Raí. O astro, que defendera o clube entre 1987 e 1993, com vários títulos conquistados, assinara contrato com o Tricolor em outubro de 1997, porém com a ressalva de apresentar-se apenas em maio de 1998. Como o regulamento do Paulistão não estabelecia prazo final para inscrição de atletas, ele pôde ser inscrito normalmente.

E ele não decepcionou. Apesar de ter confessado um certo “constrangimento” em seu primeiro treino, o técnico Nelsinho Baptista não abriu mão de escalá-lo, no lugar de Dodô. Aos trinta minutos de jogo, Zé Carlos cruzou, França desviou e Raí, de cabeça, abriu o placar. O empate de Didi não tirou o ânimo tricolor, que viu França desempatar, pouco depois, e, quase no fim do jogo, dar números finais: 3 a 1 e título para a sala de troféus do Morumbi.

Reuni neste texto algumas das histórias que contam como esse título foi conquistado. A história vai muito além da volta de Raí para o jogo decisivo. Também diagramei este mesmo texto em formato de jornal e participei de um debate sobre a conquista no canal Fala Bandana.

O campeonato

O Grupo VR, do ramo de tíquetes-refeição, comprou os direitos de bilheteria do Campeonato Paulista por 41 milhões de reais (219 milhões de reais, se corrigido pelo IGP-M) e garantiu uma renda mínima de quinhentos mil reais (2,7 milhões corrigidos) por jogo aos quatro clubes grandes. Os demais clubes ganhavam um quinto disso. Apesar desse maior valor recebido, os clubes grandes não disputaram a primeira fase do Campeonato Paulista, porque estavam disputando o Torneio Rio–São Paulo — o Tricolor chegou à final, mas foi derrotado pelo Botafogo.

A campanha

A campanha na segunda fase foi impecável: oito vitórias, um empate e apenas uma derrota, para a Matonense, fora de casa. Nas semifinais, mais duas vitórias, sobre o Palmeiras, garantira a vaga para a decisão. A campanha de catorze jogos foi ainda mais curta que a do Paulistão atual, cujo campeão terá disputado dezesseis partidas. Mesmo com a derrota no jogo de ida para o Corinthians, o aproveitamento final do São Paulo foi disparado o melhor: 80,9%, contra 59,5% do Alvinegro e 55,5% da Portuguesa. Além disso, o Tricolor teve o melhor ataque (40 gols, contra 24 do Corinthians) e a melhor defesa (quinze gols, contra dezesseis da Portuguesa — três clubes eliminados na segunda fase sofreram catorze gols). A média de 2,86 gols marcados por jogo foi a sexta maior do clube em uma campanha de título estadual e a maior desde os 3,18 de 1949. O São Paulo também liderou o ranking do Datafolha em diversos quesitos técnicos, como as médias de dribles por jogo, de posse de bola e de aproveitamento de passes, além de ter sido o clube menos faltoso.

Os clássicos

Por causa do formato curto do Paulistão, o São Paulo foi o único clube a enfrentar todos os grandes. E venceu ao menos um jogo contra cada um deles: nos seis jogos, foram duas vitórias contra o Santos, duas contra o Palmeiras, uma vitória e uma derrota contra o Corinthians, que estava invicto no torneio até o jogo decisivo, com seis vitórias e sete empates.

O herói

Uma semana antes do jogo do título, Raí marcou um dos gols da vitória que deu ao Paris Saint-Germain o título da Copa da França. Ele apresentou-se ao São Paulo três dias antes da decisão e, graças ao regulamento do Paulistão, pôde ser inscrito para apenas um jogo. E não houve ciúmes por parte do resto do grupo. “O grupo tem personalidade”, explicou o técnico Nelsinho Baptista. “Vocês acham que algum atleta do São Paulo poderia reclamar ou ficar chateado com a presença do Raí?” Além de marcar o primeiro gol — “Não tinha como defender aquele gol”, disse o goleiro corintiano Nei — , Raí chamou para si a responsabilidade de virar o confronto após a derrota no jogo de ida. Quando o Corinthians empatou o jogo de volta, Raí ajudou a acalmar seus companheiros, embora tenha fugido desse crédito: “Tentei falar para que todos tivessem calma, mas, quando eu vi, eles estavam tranquilos, tocando a bola, e eu tive certeza de que não estavam abalados.” O técnico corintiano, Vanderlei Luxemburgo, resumiu a atuação de Raí: “Ele estava em uma tarde muito inspirada. O [volante] Romeu não conseguiu neutralizá-lo. E ninguém conseguiria.” Ao ser substituído, pouco antes do terceiro gol, Raí foi aplaudido de pé.

O artilheiro

França foi o artilheiro do Campeonato Paulista, após marcar doze gols na segunda fase e nos mata-matas. A Federação desconsiderou a primeira fase, disputada sem os grandes, para a artilharia. Ele começou nos juvenis do Nacional, de Manaus, mas, sem espaço, conseguiu que um conselheiro do clube amazonense lhe abrisse as portas no XV de Jaú, onde passou a trabalhar com Cilinho. “O Cilinho gostava tanto do meu futebol, que não queria que eu fosse vendido ao São Paulo”, contou. Não adiantou. Após insistência de Darío Pereyra, então responsável pela base tricolor, o centroavante acabou contratado. Ele foi o último jogador chamado por Telê Santana da base para o elenco profissional. “Quero aquele loirinho ali”, teria dito o técnico, depois de assistir a um jogo dos juniores em que França marcara dois gols entrando no segundo tempo. Mas foi apenas com Nelsinho que ele ganhou uma sequência de jogos. Deu certo, e ele foi o artilheiro do Campeonato Paulista de 1998, com doze gols, quatro à frente dos segundos colocados.

A despedida

Com o passe vendido ao Real Bétis, da Espanha, desde o início do ano, Denílson pôde seguir atuando no São Paulo e conquistar o Paulistão de 1998. “O importante é que cumpri minha promessa de dar o título para a torcida do São Paulo antes de ir para o Bétis”, disse. “O São Paulo representa tudo na minha vida. E, assim como aconteceu com o Raí, estou saindo de cabeça erguida, para um dia ser recebido novamente.” O lateral Silvinho, do Corinthians, por outro lado, preferiu reclamar dos dribles de Denílson: “Quero parabenizar o São Paulo, que fez uma grande partida. Mas é inaceitável ser menosprezado dentro de campo pelo exagero de um jogador, de passar a toda hora o pé por cima da bola.”

Capitão, ao centro, comemora o título. Foto: Arquivo Histórico do São Paulo FC, via O Vale.

O debutante

Em determinado momento após a conquista, a torcida nas arquibancadas começou a cantar “Lusa! Lusa!” e “Não é mole, não, roubar a Lusa pra ser vice-campeão!”, em referência ao clube que havia sido eliminado pelo Corinthians nas semifinais, com uma polêmica atuação do árbitro argentino Javier Castrilli. Capitão, volante são-paulino que tinha passado quase uma década na Portuguesa e chegara ao São Paulo no começo do ano, ouviu a saudação e emocionou-se ainda mais com o primeiro título de sua carreira. “Demorou, mas esta [faixa] ninguém mais tira de mim”, comemorou, apontando para a faixa. “Sou campeão.”

O contundido

Márcio Santos tinha criticado o time do Corinthians depois do jogo de ida, acusando-o de jogar como time pequeno. Os corintianos, claro, ficaram mordidos com a declaração, mas não conseguiram se vingar na decisão. O zagueiro são-paulino, entretanto, participou apenas dos primeiros nove minutos da partida decisiva: ao sentir uma contusão na coxa, teve de ser substituído por Bordon. Graças a essa contusão, acabou cortado da seleção brasileira que iria à Copa do Mundo da França, dali a um mês. André Cruz, do Milan, foi convocado para seu lugar. Isso não impediria que Márcio Santos comemorasse o título efusivamente, ainda incomodado com o comportamento do adversário depois do jogo anterior: “Os jogadores do Corinthians […] já se consideravam campeões após a vitória da semana passada. Nós ficamos quietos, esperando pelo último jogo. Eles davam entrevistas como os vencedores do torneio. A torcida invadiu o Parque São Jorge no sábado. Eu estava adorando tudo aquilo e fiquei em silêncio durante a semana. Já tinha feito meu trabalho.”

O injustiçado

Nelsinho Baptista já tinha sido campeão antes, inclusive vencendo o São Paulo duas vezes, nas finais do Brasileiro de 1990 e do Paulista de 1997, ambas pelo Corinthians. Mas ele sentia-se injustiçado pelo que considerava uma “perseguição da imprensa”, especialmente após ouvir que sofrera um “nó tático” no jogo de ida. Com o título conquistado, desabafou: “Quem deu nó em quem? Quem fez lobby? Quem? Quero ver aqueles que ficaram falando que fui derrotado taticamente [no primeiro jogo da final] comentarem agora sobre minha vitória. O título que dei ao Corinthians no ano passado, tomei em 1998.” O desabafo foi acompanhado de planos para o futuro, que incluíam ficar um bom tempo no comando do clube, que já tinha defendido por quase seis anos como lateral, na década de 1970: “Sempre acreditei que o São Paulo fosse o clube certo para eu trabalhar. Sinto que tenho condições de fazer um trabalho muito parecido com o que fez Telê Santana. Jamais gostei dessa vida de cigano que levam os treinadores.”

A gratidão

Ainda não fazia nem um mês que José Augusto Bastos Neto tinha sido eleito presidente do São Paulo, mas ele fez questão de ressaltar o papel de seu antecessor, Fernando Casal de Rey, na celebração: “O título é uma homenagem especial ao Fernando, que reformou o Morumbi e ainda montou a base deste time vencedor.”

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Autor de três livros sobre a história do São Paulo. Pai, filho, neto e bisneto de são-paulinos.