Rogério Ceni e o resto do time titular do São Paulo em 25 de junho de 1993, no Estádio San Lázaro. Foto: cortesia Arquivo Histórico do São Paulo FC.

A estreia de Rogério Ceni — e Guilherme

Em 1993, a estreia mais festejada daquele 25 de junho foi a do atacante, mas, quase três décadas depois, a mais lembrada é a do goleiro que teria uma longa carreira.

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O primeiro semestre de 1993 tinha sido uma verdadeira maratona para o São Paulo. Entre 24 de janeiro e 3 de junho, o Tricolor disputou nada menos que 54 partidas, o que dava uma média de um jogo a cada dois dias e meio. Em abril, foram dezesseis jogos, ou um a cada menos de dois dias. E isso porque o clube não precisou disputar a fase de grupos da Libertadores, como campeão do ano anterior.

Para não ter de abrir mão da vaga na Copa do Brasil, como ocorrera em 1992, o clube decidiu não colocar em campo nessa competição seus principais jogadores. O elenco que acabou eliminado pelo Cruzeiro nas quartas de final tinha muitos dos jogadores que no ano seguinte formariam o Expressinho campeão da Copa Conmebol.

Mesmo com essa maratona, o São Paulo conseguiu conquistar o bicampeonato da Libertadores, no fim de maio, porém no Campeonato Paulista parou na fase semifinal. A inútil goleada por 6 a 1 sobre o Santos, na última rodada dessa fase, foi a despedida de Raí, significando que o time que defenderia o título intercontinental, no Japão, em dezembro, não teria seu principal jogador.

Diante dessa situação, o São Paulo trouxe um substituto para Raí, o uruguaio Gustavo Matosas, mas também trouxe jovens promessas para reforçar o elenco, como o meia Juninho, do Ituano, e o atacante Guilherme, do Marília, este por empréstimo. Mesmo com o Campeonato Brasileiro previsto apenas para setembro, o Tricolor decidiu não participar do Torneio Rio⎯São Paulo, que seria disputado pela primeira vez desde 1966, liberando uma vaga para a Portuguesa.

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Como o único torneio oficial no calendário são-paulino nesse intervalo foi a breve Copa de Ouro Nicolás Leoz, o São Paulo pôde disputar quatro torneios amistosos na Espanha, entre junho e agosto: Santiago de Compostela, Tereza Herrera, Colombino e Ramón de Carranza, além de amistosos nos Estados Unidos, no México e na própria Espanha.

Tudo isso provavelmente rendia aos cofres do clube mais do que o torneio regional renderia. Afinal, o Tricolor tinha sido apelidado pela imprensa espanhola como “Rei do Verão”, no ano anterior (por causa das goleadas sobre Barcelona e Real Madrid, respectivamente, no Tereza Herrera e no Ramón de Carranza), e garantiu o recebimento de uma cota de setenta mil dólares por jogo, o dobro em relação a 1992.

Pare efeito de comparação, na abertura do Rio⎯São Paulo, Corinthians e Portuguesa tiveram prejuízo, que apenas 2.728 pessoas pagaram ingresso para assistir à vitória corintiana por 2 a 1. “[Isso comprova] que o público tem pouco interesse pelo torneio, iniciado logo após o encerramento dos campeonatos estaduais de São Paulo e do Rio”, escreveu o O Estado de S. Paulo.

O próprio presidente do São Paulo, José Eduardo Mesquita Pimenta, defendia que o calendário brasileiro fosse revisto, para proporcionar mais lucros ao clube. Para ele, o Brasileirão deveria ter início em setembro, mas só acabar em 1994. “Vai ser uma oportunidade de o Brasil acertar, de vez, seu calendário, permitindo que seus jogadores fiquem com as férias no mesmo período do futebol europeu, ampliando as possibilidades de intercâmbio”, disse, ao Estadão. O técnico Telê Santana concordava com o chefe.

Foto: cortesia Arquivo Histórico do São Paulo FC.

O Tricolor seguiu para a Espanha, no fim de junho, desfalcado de mais de meio time. Não que eles estivessem sido poupados: Zetti, Válber, Cafu, Müller, Palhinha e Elivélton estavam com a seleção brasileira na Copa América, no Equador. Raí, embora ainda tivesse contrato até o dia 30, também não acompanhou a delegação. Ele já tinha se despedido, quase duas semanas antes, recebendo uma placa de prata da diretoria tricolor durante uma homenagem no Morumbi.

O técnico Telê Santana também ganhou férias, e Márcio Araújo, treinador das categorias de base, viajou com o time. Normalmente, o substituto de Telê seria o preparador de goleiros Valdir de Moraes, mas ele estava com problemas de saúde e ficou no Brasil.

A participação no Santiago de Compostela não recebeu grande cobertura dos jornais da época, mas a escalação prevista pelo Estadão antes do jogo de estreia, contra o Tenerife, sugeria que Araújo estava com dúvidas sobre quem seria o goleiro titular: Gilberto, reserva imediato de Zetti, que tinha sido contratado do Sport no início do ano, ou o jovem Rogério Ceni, de vinte anos.

Apesar de já estar no clube havia quase três anos, Rogério ainda não tinha estreado pelo time principal. Mas em janeiro ele tinha sido um dos principais destaques durante a conquista da Copa São Paulo de Juniores. “Quando viajei para a disputa do torneio, eu esperava ficar no banco, mas na preleção fui informado que iria para o jogo”, contaria Rogério, muitos anos depois, em entrevista ao site oficial do clube.

Foi assim que Rogério entrou em campo pela primeira vez com a camisa do São Paulo em um jogo do time de cima, mas ele não foi o único estreante naquela noite. O atacante Guilherme também vestiu a camisa tricolor pela primeira vez. E ambos tiveram uma estreia de gala.

Guilherme, jogando na vaga que seria de Müller, foi o grande destaque, marcando os quatro gols da vitória por 4 a 1, três deles com passes de Matosas (que já tinha estreado no San-São do início do mês). Rogério defendeu um pênalti, porém essa informação por algum motivo não mereceu destaque nas coberturas do Estadão e da Folha de S.Paulo (esta com apenas um parágrafo).

Essa vitória foi a sétima do Tricolor nos oito confrontos com clubes espanhóis durante os dez meses anteriores — a única derrota fora em um amistoso contra o Atlético de Madri no Estádio Vicente Calderón, em setembro de 1992.

Os campeões do Troféu Santiago de Compostela de 1993. Foto: cortesia Arquivo Histórico do São Paulo FC.

Guilherme marcaria novamente dois dias depois, na final do torneio amistoso, contra o River Plate, da Argentina. Ele e Catê fizeram os gols do empate no tempo normal, depois de os argentinos fazerem 2 a 0. Na decisão por pênaltis, Rogério defendeu mais um pênalti, ajudando o São Paulo a ficar com o título. As duas defesas em Compostela foram as primeiras das 51 que o goleiro faria ao longo de sua carreira.

“Quando defendi o pênalti contra o Tenerife ganhei mais confiança e daí em diante fui me firmando”, contaria Rogério, na mesma entrevista ao site oficial do clube. “Estrear, pegar duas cobranças seguidas e ganhar um torneio internacional foi muito importante para mim.”

Ele ainda demoraria mais de três anos para finalmente assumir o posto de titular, mas tudo começou naquela noite em Santiago de Compostela. Depois, seriam mais 1.236 partidas, além dos 131 gols, algo que certamente ninguém esperava em 1993.

Guilherme acabaria atuando em apenas 46 jogos pelo Tricolor (3,7% do total de Rogério), marcando dezoito gols. Ele foi vendido ao Rayo Vallecano, da Espanha, em julho de 1995, sem ter tido nenhuma grande sequência de jogos pelo Tricolor, a não ser por uma parte do Paulistão de 1994. Sua carreira é muito mais lembrada pelo sucesso conseguido com o Atlético Mineiro na virada do século.

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Autor de três livros sobre a história do São Paulo. Pai, filho, neto e bisneto de são-paulinos.